Lugar dos Galos

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O núcleo urbano dos Galos, localizado junto ao lugar de S. João da Ponte, em Braga, é bem o exemplo de um testemunho rural que foi absorvido pelo crescimento da cidade, sobretudo, quando esta se expandiu para Sul na segunda metade do século XX. Até então os Galos, que herdam o topónimo devido à fonte que aí existe, com dois desses espécimes talhados na pedra – feita a EXPENSIS PUBLICIS ANNO 1639 -, eram identificados por ser um pequeno aglomerado de casario vernáculo, construído em pedra, na margem direita do Rio Este. Além de diversas habitações rurais associadas às explorações agrícolas que o rio cruzava, existiam, desde tempos imemoriais, diversas azenhas e, até uma fábrica de papel (século XVIII). Mais recentemente, desde a segunda metade do século XIX até ao princípio do XX, poderíamos mesmo encontrar uma pequena estação de banhos públicos que, por virtude das águas férreas que aí brotavam, chegou a constar dos itinerários termais do País.

Os Galos, hoje em dia, tendo sido integrados na área de intervenção de protecção ao património construído, por iniciativa da autarquia, são, porém, mais conhecidos por servirem de cenário a uma das referências mais expressivas das populares festas do S. João em Braga, a recriação escultórica do baptismo de Cristo e outras citações alusivas à vida do Santo. Aí, junto à ponte – lugar de atravessamentos mais antigos que ligavam a cidade a Guimarães, vislumbrava-se, até há bem pouco tempo, o último moinho de farinha movido pelas águas fluviais, e, mais atrás, os imensos estendais da roupa branca a secarem. De facto, não passaram ainda muitas décadas, desde que o rio Este era lugar de labor das conhecidas lavadeiras da cidade e que o rio Este acolhia uma considerável população de peixes.

Com a expansão da cidade cresceram novas urbanizações compactas junto às margens do rio, como é exemplo a da rua dos Barbosas, mas, pior ainda, muitos dos novos edifícios voltaram para o rio as suas traseiras precocemente degradadas, pelo que a preservação deste apontamento do património construído de Braga reclama urgentemente medidas de reabilitação.

© Miguel Melo Bandeira. Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.


Os Galos são, sem margem alguma de dúvida, o mais pitoresco local da cidade de Braga. O rio Este, embora de pequeníssimo caudal, reduzido a um pequeno fio de água após uns verões mais secos – mas com uma torrente forte e violenta no Inverno, tão forte que chegou a causar graves estragos – possibilitou que aqui se criasse um espaço diferente no contexto da cidade.

Não sabemos quando foram construídos neste local os primeiros moinhos. Não há estudos, ainda, nesse sentido. Mas acreditamos que já existam há vários séculos. Já vimos que a cidade era razoavelmente populosa. Precisava de ter um local onde fosse possível moer a farinha necessária ao pão. Se esse local estivesse próximo, tanto melhor, pois assim a farinha não sofreria grandes alterações com o excesso de calor, ou de humidade. E o local escolhido foi o dos Galos. Porque caiu neste sítio a opção não sabemos. Talvez pela ligeira inclinação do terreno aqui existente no curso do ribeiro, que parece ser um pouco mais forte que a do seu restante leito junto a Braga.

Todas as restantes alterações no relevo que hoje vemos e a sua divisão em pequenos canais, é fruto do engenho e saber dos moleiros que o habitaram e habitam. As águas do rio eram antigamente ricas em peixe. No final da década de 50 ainda havia alguns, mas já muito poucos. Recordemo-nos das Memórias Paroquiais, datadas de 1758, e da resposta que o pároco de São Lázaro deu na questão que lhe foi colocada sobre o rio. Segundo ele criavam-se no ribeiro panchorcas, escalos, bastantes barbos e algumas trutas e enguias.

Do ponto de vista de arquitectura há alguns edifícios a salientar. Não há dúvida que o mais interessante é o conjunto no seu todo, em que as casas são também moinhos; onde se integram as levadas que dividem o rio e conduzem a água para as mós; onde se vê um pequeno terreno, no núcleo principal, em que se joga à malha; onde se integra o antigo caminho, hoje arruado, pavimentado apenas com velha pedra, tortuoso, com ligeiros sobe e desce, orgânico. Depois são as duas quedas de água artificiais, criadas para haver água para as levadas. Fazem um magnífico efeito quando o rio leva água que sobeje e a faz saltar! Vale bem a pena passear pela rua dos Barbosas, num dia de Inverno em que o sol espreite, para poder apreciar todo este magnífico conjunto de água e moinhos!

No meio do rio existe uma casa brasileira, grande, datável ainda dos finais do século passado. No seu interior tem vários compartimentos decorados com pinturas murais. Naturalmente que há nela uma dependência onde funciona um conjunto de mós. Desde há bastantes anos que lhe retiraram o revestimento de cal e deixaram a pedra à vista. Junto a ela há um pequeno oratório onde se venera o Senhor dos Desamparados. A sua imagem fora em 1885 trocada por outra mais nova.

Mas um dos mais interessantes e sugestivos monumentos aqui existentes é a velha fonte dos Galos. Construída em 1639, conforme a inscrição que nela existe, tem esculpidos, junto à bica por onde jorra a água, dois galos que se defrontam. Porquê esta representação? É pena que esta água já não seja potável. E é pena por todas as razões; e uma delas é a de que era nesta fonte que se poderia beber a melhor água da cidade. Segundo o saudoso Dr. Manuel Braga da Cruz nos contou várias vezes – e uma delas foi numa visita a este local que orientou para a ASPA – as casas de Braga que não tinham água própria iam abastecer-se, normalmente, na fonte do largo do Paço. Mas quando se queria uma água melhor, mais saboroso, o cântaro era levado bem mais longe, até aos Galos!

Nos Galos existiu uma nascente de águas férreas. Durante várias décadas do século passado, ainda foi aproveitada; chegaram-se mesmo a fazer alguns balneários. Mas, infelizmente, deixou-se depois morrer este estabelecimento balnear.

Pena é que nada reste da fábrica de papel, talvez a primeira que existiu no país, que foi construída algures junto ao rio, na primeira metade do século XVII.

Hoje os Galos ainda conservam a sua beleza; no rio, junto à ponte de São João, ainda se representa, durante as festas sanjoaninas, o baptismo de Cristo, feito com imagens de vulto.

© Eduardo Pires Oliveira.