José Sepúlveda Duarte Macedo

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José MacedoJosé Sepúlveda Duarte Macedo nasceu em 1952 e vive desde sempre em Braga. É licenciado em História pela Universidade do Porto, após um percurso académico atribulado que o levou a optar por cursos que nada tinham a ver com a disciplina que acabou por abraçar. Em jeito de brincadeira, costuma afirmar que a licenciatura em História não foi para ele um curso, foi antes um recurso. Actualmente encontra-se na situação de reformado de professor do ensino básico, actividade que lhe foi imposta pelas necessidades de sobrevivência. Aliás, foi esta condição de reformado que lhe criou o tempo para a produção de Braga Sem Filtros.

Na condição de autor participou na edição de duas obras de BD na qualidade de produtor do texto. As duas bandas desenhadas em questão, intituladas Braga RevividaMaria da Fonte, viram a luz do dia em regime de edição de autor. Também fez, já há muitos anos, o prefácio de uma obra editada pela Antígona da autoria de João Pinto Roby, uma personagem que desempenhou papel importante nos acontecimentos que abalaram Braga durante a Maria da Fonte. Chamava-se Exposição Analítica do Pronunciamento e relembrava o episódio abortado da criação em Braga de uma Junta governativa destinada a travar as forças populares que cercavam a cidade.

O livro Braga Sem Filtros procura retratar o que foi Braga nos 60 anos que separam a implantação do liberalismo monárquico em Portugal e a sua decadência acentuada depois dos episódios do Ultimato e do 31 de Janeiro. É um trabalho que se divide em duas partes. A primeira aborda os aspectos políticos e económicos e a segunda trata dos aspectos culturais. Para melhor situar a época, o autor fez enquadramento do caso bracarense na História de Portugal.

São quinze os capítulos em que o livro se divide: Após a vitória do Liberalismo, Entre 1836 e o cabralismo, Desde o cabralismo à Maria da Fonte, Antecedentes da Maria da Fonte, A Maria da Fonte, A Patuleia, Entre a Patuleia e a Regeneração, O Governo de Saldanha, Até ao Inicio do 2º Governo de Loulé, O 2º governo do Marquês de Loulé, Da Fusão à Janeirinha, Os governos da Janeirinha, O longo governo dos regeneradores, A República no Horizonte e as Grandes Obras que ficaram por fazer. A segunda parte aborda, como já foi dito, os aspectos mais culturais: A mendicidade, A cidade, a cultura e o ensino, O Fervor Religioso, O Relacionamento Amoroso, O Divertimento, Meretrizes, O recrutamento, Expostos e outras Aparências, Rivalidades com outras terras, As eleições e Intolerâncias e Prepotências.

O título que lhe foi atribuído – Braga Sem Filtros, dá mais algumas dicas sobre a obra. Normalmente um autor, que escreve sobre a sua cidade natal, procura apresentá-la num tom mais ou menos laudatório. Neste caso e é daí que vem o nome de Braga Sem Filtros, pretende-se algo diferente. O autor não poupa esforços no sentido de apresentar uma visão capaz de mostrar uma cidade sem as protecções capazes de esconder a realidade nua e crua. Para conseguir este objectivo são utilizadas citações retiradas de várias fontes: Livros de Actas da Câmara, livros de correspondência recebida e expedida pela autoridade camarária e sobretudo todos os números disponíveis da imprensa bracarense da época, espalhados por diferentes arquivos. Mas ninguém pense que estas citações estão ao serviço de uma estratégia simplesmente descritiva. A visão apresentada da cidade é profundamente crítica e as opiniões do autor, por vezes polémicas, fluem constantemente.

José Sepúlveda

Naquele tempo Braga poderia ser apontada como a capital das aparências. As ideias e os comportamentos mais afastados da tradição assustavam-na. A manutenção da imagem preocupava-a. Num mundo em rápida transformação que avançava no caminho do progresso, Braga também não se sentia bem com o seu próprio conservadorismo. A cidade gostava de parecer moderna e esse seu sentimento era muito bem interpretado pelos políticos locais. Abominando enfrentar a tradição, os bracarenses tentavam conciliar o passado e o presente, mostrando-se disponíveis para a promoção de obras que criassem uma imagem de progressismo à sua cidade. Estas obras eram por vezes realizadas à custa da demolição de construções antigas de reconhecido valor arquitectónico.

Em contrapartida, adiavam o inadiável. Pretextando falta de receitas, os trabalhos verdadeiramente importantes, como o abastecimento da água e o saneamento, eram protelados. Não é obra do acaso que hoje, tanto na escadaria principal do edifício camarário como nas paredes do seu salão nobre, encontremos as imagens de uma Braga que já não volta. É como se a cidade se tivesse rendido à necessidade de aparentar sinais de progresso e simultaneamente tivesse ficado prisioneira de um passado espiritual, que verdadeiramente nunca renegou. Não encontramos outra explicação para a apetência que, ao longo dos tempos, a Câmara tem manifestado por obras.

In Braga Sem Filtros.

Se pudéssemos questionar os habitantes de Braga do século XIX sobre aquilo que mais desejavam para a sua cidade, a resposta seria óbvia. Gostariam de a ver admirada pelos não bracarenses. Queriam ver-lhe reconhecida a importância de que a julgavam merecedora. Estes desejos levavam os habitantes a assumir gostosamente as obras que os de fora encaravam como sinais de progresso. Se naquele tempo os bracarenses utilizassem a linguagem dos nossos dias, diriam que o cheiro a cimento fresco era um dos aromas que mais apreciavam. Mas no que respeita à vida espiritual a situação mudava completamente de figura. A Roma portuguesa não estava disposta a abrir mão dos valores católicos e conservadores, que considerava serem a sua imagem de marca. No fundo, os bracarenses queriam mudar para que tudo pudesse ficar na mesma.

Os bracarenses viviam nesta contradição permanente. Eram conservadores, mas gostavam de aparentar progresso. Amavam os pobres que consideravam ser capazes de os transportar ao reino dos céus no comboio da caridade, mas temiam-nos. Receavam que pudessem pôr em causa o direito à propriedade e a imagem de modernidade que a Sintra do norte devia ter direito. O ensino e a escola eram amados, pelo menos em teoria. Mas também eram temidos por facilitarem a divulgação de ideias perigosas e dissolventes no seio das famílias. O divertimento, embora desejado, devia ser olhado com muita cautela para evitar atentados à moralidade. As meretrizes eram sem dúvida um perigo. Deviam ser confinadas a espaços restritos, escondidas dos olhares das famílias honestas. Mas a sua função devia ser protegida porque contribuíam para evitar males maiores. A intolerância e a prepotência campeavam e eram frequentemente defendidas em nome da vontade divina. A roda dos expostos era olhada como algo muito importante por permitir esconder a vergonha daquelas mulheres que, havendo feito o que não deviam, se arrependeram do pecado. Era uma instituição particularmente reconhecida e benfazeja por ser defensora do segredo que convinha manter entre as classes altas. Mas simultaneamente era perigosa por poder conduzir ao relaxamento dos costumes.

In Braga Sem Filtros.